26 de junho de 2011

Depressão, história e ciência

A depressão é uma das doenças mais preocupantes da atualidade, porém há registros de personagens bíblicos como Jó e o Rei Saul, apresentando sintomas de depressão, tendo este último cometido suicídio e o primeiro sido exemplo de paciência, fé e perseverança.
Apesar de a depressão ter sido foco de muitos estudos nos séculos XIX e XX, historicamente a atenção dada a essa enfermidade remonta a vários séculos antes de Cristo.
Na Grécia antiga o estado melancólico era atribuído a castigos impostos pelos deuses em função de comportamentos incorretos.
Hipócrates (460-377 a.C.), o pai da medicina, foi o primeiro a considerar os comportamentos anormais com causas naturais, ao invés de sobrenaturais como ocorria até então.
No século II a.C., Galeno acreditava que o comportamento era influenciado pelo desequilíbrio de quatro líquidos presentes no corpo: bílis negra, bílis amarela, fleuma e sangue. Afirmava que o elevado nível de bílis negra levaria à melancolia, o aumento de bílis amarela seria responsável pela ansiedade, assim como o excesso de fleuma estaria associado ao temperamento preguiçoso e o de sangue às oscilações rápidas de humor. Com esse entendimento, no intuito de eliminar o excesso de bílis negra, o tratamento do paciente melancólico era feito com sangria, laxativos e vomitórios, o que levava muitos pacientes à morte por desidratação.
No século I da era Cristã, o médico grego Areteu teve marcante participação no entendimento dos quadros depressivos. Foi ele o autor dos principais textos que trouxeram à atualidade a idéia de uma unidade da doença maníaco-depressiva, apontando a mania como resultado do agravamento do quadro de melancolia.
Na Idade Média (500 – 1500 da era cristã), a forte influência religiosa na Europa fez com que as abordagens naturalistas fossem abandonadas e ressurgissem antigas crenças sobre a possessão demoníaca e o uso de tratamentos exorcistas para os transtornos mentais.
Por volta do século XIII, a Igreja católica passa a considerar a melancolia como um pecado, revelando uma fraqueza moral diante das vicissitudes da vida.
Durante o período da escravidão no Brasil, os negros, na condição de isolados de suas pátrias e famílias e privados de sua liberdade, eram acometidos por uma intensa e mortal nostalgia denominada “banzo”. Certamente, experimentavam depressão.
No século XVII, época em que a palavra “depressão” passa a ser utilizada pela literatura inglesa, o filósofo francês René Descartes (1596-1659) reiterou a idéia da cisão entre a mente (alma, espírito) e o corpo, já lançada pelo filósofo Platão (427-347 a.C.). Descartes afirmava que após a morte do corpo, este se torna apenas uma máquina. Apesar da primeira dissecação humana ter sido registrada pelo filósofo grego Herófilo e pelo anatomista Erasístratro, considerado pai da fisiologia, aproximadamente 250 anos antes da era cristã, a afirmação de Descartes favoreceu a ampliação dos estudos sobre anatomia humana, escassos nos séculos anteriores, uma vez que a Igreja considerava o corpo como algo sagrado por ser a sede da alma. Desta maneira, a tese de Galeno foi sendo substituída pela compreensão de que o cérebro seria o responsável pelas perturbações do humor.
No final do século XIX, o psiquiatra alemão Emil Kraepelin ofereceu importantes contribuições ao conhecimento das enfermidades psíquicas. Entre elas está a divisão dos quadros psicóticos em dois grandes grupos: demência precoce e insanidade maníaco-depressiva. Os estudos de Kraepelin formaram a base das modernas classificações dos transtornos mentais.
            Já no campo da subjetividade, em 1917, Sigmund Freud, pai da psicanálise, publica “Luto e Melancolia”, destacando a existência de aspectos inconscientes, vinculados ao sentimento de perda na gênese da melancolia.
            Na década de 30 surge a terapia eletroconvulsiva, baseada na crença de que a indução do estado convulsivo poderia tratar doenças mentais, uma vez que pacientes portadores destes transtornos e também epiléticos apresentavam melhora no quadro psiquiátrico durante algum tempo após as crises de convulsão. A indução era feita a princípio com o uso de agentes farmacológicos e, posteriormente, foi introduzido o uso do eletrochoque.
Em 1936, o filósofo inglês Henry Dale recebeu o Prêmio Nobel por seus estudos sobre a transmissão dos impulsos nervosos.
Por volta dos anos 50, surgem os primeiros fármacos anti-depressivos. Na busca de anti-histamínicos que não provocassem sedação, a indústria farmacêutica descobriu a imipramina (Trofanil). Observou-se que os deprimidos que tomavam esse medicamento para o combate de processos alérgicos ou inflamatórios apresentavam melhora no humor. Esse remédio e outros semelhantes foram denominados tricíclicos, em função de sua estrutura química. Posteriormente, na tentativa de se encontrarem fármacos para o tratamento da tuberculose, descobriu-se que a iprozianida melhorava o humor de tuberculosos deprimidos. Surgiam, assim, os inibidores da ação da enzima monoaminoxidase (IMAO). Estas duas classes de medicamentos descobertos na década de 50 ficaram conhecidas como a “primeira geração de antidepressivos”. Essas primeiras drogas utilizadas no tratamento da depressão tinham a desvantagem de produzir fortes e incômodos efeitos colaterais.
Em 1960, o neuroquímico norte-americano Julius Axelrod também recebe o Prêmio Nobel pela descoberta das substâncias que possibilitam a transmissão dos impulsos nervosos (neurotransmissores). Esse fato favoreceu o avanço em relação aos medicamentos anti-depressivos.
Ainda na década de 60, aumentaram as contribuições da psicologia com a prática das psicoterapias cognitivo-comportamental e transpessoal.
Em 1970, médicos norte-americanos começaram a usar o Lítio como agente estabilizador do humor, sendo mais utilizado nos casos de mania.
A década de 80 foi marcada pelo uso da “terapia da luz” no tratamento da depressão, em função do seu aspecto sazonal (em países de maior latitude, a depressão apresenta maiores índices no inverno, sendo possivelmente influenciada pela baixa luminosidade).
Ainda na década de 80, surge a “segunda geração de antidepressivos”, oferecendo maior segurança ao tratamento e efeitos colaterais mais suportáveis para o paciente. Trata-se dos inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS).
Somente na década de 90, consolida-se o entendimento acerca dos benefícios obtidos na combinação entre recursos farmacológicos e psicoterápicos no tratamento da depressão.
Em 1992, a CID 10 (Classificação Internacional das Doenças), em seu capítulo V (Transtornos Mentais e de Comportamento), descreveu a depressão como um Transtorno de Humor. De acordo com essa recente classificação, a depressão pode se apresentar numa forma unipolar, com variações entre leve, moderada e grave, ou revelar uma alternância entre episódios maníacos e depressivos, compondo o “Transtorno Bipolar”.
O início do século XXI, em decorrência dos grandes avanços da neurociência na década de 90, considerada a “década do cérebro”, tem sido marcado por inúmeras pesquisas  na busca de maiores conhecimentos sobre o funcionamento cerebral. Recursos de imagem como a Tomografia por Emissão de Pósitrons (PET) e a Espectroscopia por Ressonância Magnética têm possibilitado novos entendimentos sobre o funcionamento das diversas estruturas que compõem o cérebro e que parecem estar envolvidas nos transtornos de humor.
Observamos, ainda, o surgimento de novos segmentos acadêmicos que têm proporcionado maior integração entre as áreas médica e psicológica. Como exemplo, podemos citar a psicobiologia, a neurociência clínica, e a neuropsicologia. É possível que essas novas contribuições, aliadas aos diversos recursos psicoterapêuticos já existentes e aos avanços da psicofarmacologia, resultem numa melhor compreensão dos transtornos depressivos, no aperfeiçoamento das práticas psicoterápicas e na produção de fármacos com menos efeitos colaterais.

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